Não é difícil encontrar histórias de pessoas que foram vítimas de erro médico. De acordo com pesquisas, esta é uma das principais causas de morte nos Estados Unidos, apesar de haver quem seja contra essa ideia. No Brasil, dados divulgados no início deste ano, mostram que o número de processos por erro médico cresceu 140% nos últimos quatro anos no Superior Tribunal de Justiça. Entre 2010 e 2014 os recursos judiciais passaram de 260 para 626. Esse aumento seria um indício de que os hospitais estão investindo pouco em medidas de segurança do paciente? Não é possível afirmar que todos os erros que resultaram em processo derivam de falta de cuidado com a segurança do paciente. Mas será que alguns deles poderiam ser evitados se medidas de prevenção fossem mais comuns nos serviços de saúde?
O Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP), lançado em 2013, é um início para que o Brasil comece a adotar práticas mais seguras. O programa tem o objetivo geral de contribuir para a qualificação do cuidado em saúde, em todos os estabelecimentos do território nacional, de acordo com o que consta na agenda política dos estados membros da OMS (Organização Mundial da Saúde) e na resolução aprovada durante a 57ª Assembleia Mundial da Saúde.
“Não tem diferença entre hospitais públicos e privados quando o assunto é segurança do paciente. Os públicos podem ter mais dificuldade por uma questão financeira. Mas o que mais influencia nessa questão é a maturidade da instituição. Todas começam com ações bem básicas e o trabalho completo de implantação leva de dois a três anos”, explica a superintendente da Organização Nacional de Acreditação (ONA), Maria Carolina Moreno.
Com o objetivo de identificar os principais problemas relativos à segurança do paciente e como as instituições de saúde se comportam em relação às práticas recomendadas, a Wareline realizou uma pesquisa das quais participaram 111 profissionais de 91 instituições. O levantamento de dados ocorreu entre os dias 24 de agosto e 16 de outubro e contou com a participação de representantes de 16 estados. Os respondentes são colaboradores de serviços de saúde de todos os portes e categorias.
Núcleo de segurança do paciente
O primeiro dado identificado pela pesquisa mostrou que 53,2% dos respondentes fazem parte de uma instituição que participa do Programa Nacional de Segurança do Paciente ou de outra iniciativa que foque em segurança. Apesar disso, não se pode afirmar que o tema não faça parte da gestão dos hospitais, mesmo que de maneira esporádica, isso porque 91,5% dos entrevistados trabalham em instituições que possuem um núcleo voltado à segurança do paciente.
“Implantar um programa de segurança do paciente é um grande desafio. Muitas barreiras devem ser vencidas, como o entendimento da alta gestão sobre o assunto e a necessidade de se colocar o tema como uma prioridade estratégica para a instituição. Além disso, os profissionais devem receber formação específica e a atuação de médicos, enfermeiros e outros profissionais deve ser modificada para prevenção de erros e eventos adversos. E ainda, deve ser mudada a cultura tradicional de punição. Se isso não acabar, nada irá evoluir”, explica o diretor científico do Instituto Brasileiro para Segurança do Paciente, Lucas Zambon .
O papel da enfermagem
O enfermeiro é o profissional que está presente no núcleo de segurança do paciente de todos os hospitais pesquisados. “A composição desse grupo deve incluir, por exemplo, aqueles com experiência em gestão de risco, representantes da CCIH, da Segurança do Ambiente, entre outros. A enfermagem deve participar de forma ativa no desenvolvimento das atividades do núcleo, uma vez que está em maior número nas instituições de saúde”, explica Heleno Costa Junior, gestor do Instituto de Conhecimento, Ensino e Pesquisa do Hospital Samaritano de São Paulo e autor do livro “Qualidade e Segurança em Saúde: os caminhos da melhoria via Acreditação Internacional”, lançado este ano pela DOC Content Editora.
Mesmo que o enfermeiro participe em maior número dos núcleos, de acordo com o que foi determinado na Portaria 529/2013 do Ministério da Saúde e na RDC (Resolução da Diretoria Colegiada) 36, da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), o núcleo deve ter caráter multidisciplinar.
Prescrição médica
Ao serem questionados sobre como é identificada a prescrição médica pela enfermeira na administração dos medicamentos, a grande maioria, 65,8%, respondeu que é pela da ficha do paciente. A identificação por meio da pulseira do paciente vem em seguida, com 30,6% das respostas. No entanto, quando os resultados são observados isoladamente de acordo com cada categoria, as instituições privadas destoam do resultado geral. Nelas, a identificação é feita por meio da pulseira do paciente, de acordo com 55,2% das respostas.
Veja como cada categoria de instituição se saiu nessa questão.
Higienização do leito
A higienização do leito é uma medida essencial. Por isso, organizá-la de alguma forma facilita o controle de leitos que precisam ser limpos sem que haja erro. Apesar disso ser de conhecimento de todas as instituições, parte delas ainda não possui um fluxo para esse trabalho. No total, 28,6% dos entrevistados responderam que a instituição em que atuam não possui esse controle. Mas a maioria, 33,9% das respostas, diz que a atividade é organizada por meio de planilhas.
Ao analisar os dados separadamente, as instituições públicas ficam com o pior resultado, pois 43,8% das respostas mostram que elas não apresentam um fluxo de controle para a higienização de leito. As filantrópicas e particulares também não tiveram um resultado tão bom, tendo cada uma 30,8% e 17,2% das respostas para a mesma pergunta. Veja como cada categoria de instituição controla seu fluxo de higienização de leitos.
Central de Material Esterilizado
Receber os materiais utilizados em procedimentos e realizar sua limpeza, desinfecção e esterilização é o papel da Central de Material Esterilizado (CME), que realiza uma tarefa fundamental para a segurança dos pacientes. Este setor, hoje, está presente na maioria das organizações de saúde, conforme 92,8% das respostas da pesquisa. De acordo com 60,4% dos participantes, a CME é controlada por meio de planilhas e requisições internas em papel; 14,4% pelo sistema; 13,5% por empresa externa e para 11,7% não existe controle.
Segundo o diretor científico do Instituto Brasileiro para Segurança do Paciente, Lucas Zambon, além do setor ser essencial dentro de um hospital, usar a tecnologia para sua gestão melhora os resultados. “Sem dúvida, a gestão da informação para a CME é fundamental. Informatizar esse processo gera ganho de tempo e informações mais precisas”, explica. No entanto, é importante lembrar que a tecnologia se torna útil dentro de um plano de gestão bem estruturado. “A informatização é um meio, uma ferramenta, que deve ser definida como parte de um todo. Sozinha ela não responde ou não supre todas as demandas ou exigências de uma instituição, mas é preciso reconhecer que sua utilização colabora em muito com a oportunidade de implementar controles e registros mais seguros”, ressalta Heleno Costa Junior.
Sobre o controle de medicamentos
O controle da medicação precisa ser rígido para evitar erros que comprometam a vida e o tratamento do paciente. Os resultados da pesquisa sobre a forma como a enfermagem faz a anotação de checagem após a administração de uma droga mostra que a grande maioria, 79,3%, faz uma marcação no prontuário do médico em papel. Apenas 16,2% utilizam o prontuário eletrônico para essa tarefa.
Quando a análise é feita separadamente pelas categorias de instituição, as particulares saem na frente pela realização desse controle por meio do prontuário eletrônico de acordo com 31% dos participantes. Já o setor público tem um ponto negativo, pois 6,3% das respostas mostram que a checagem não é realizada.
A grande maioria das instituições, de acordo com 72,1% dos respondentes, realiza a dispensação de medicamentos individualizada. Já de acordo com 21,6% dos participantes o medicamento sai da farmácia e é direcionado a um
centro de custo. Uma pequena parcela, 3,6% do total, respondeu que todo o processo é manual, o que abre margem para erros com mais frequência.
Sobre a manutenção dos equipamentos
O Banco de Olhos e Sorocaba (BOS), acreditado nível Pleno pela ONA, é um exemplo de instituição que conta com o setor de Engenharia Clínica para a gestão dos equipamentos médicos, o que engloba as manutenções corretivas, preventivas, calibrações e teste de segurança elétrica. “Assim, o que planejamos é controlado por um indicador: a eficácia do planejamento das manutenções periódicas, que atinge em média 95% e garante a segurança de quem utiliza nossa estrutura”, explica Gisele Mazetto, da Engenharia Clínica e Manutenção do BOS.
Maria Carolina Moreno, superintendente da ONA, afirma que, infelizmente, de modo geral, não se dá muita atenção para as manutenções preventivas na maioria dos hospitais. “No entendimento de priorização dos gastos, a manutenção dos equipamentos nunca está no topo da lista. Mas existe um requisito no processo de acreditação que diz que ela precisa acontecer”, explica.
Sua afirmação é reforçada pelos números da pesquisa. Apesar de apenas 9% das respostas informarem que no hospital não existe um setor que planeje as manutenções, quando se analisa o resultado por categoria de instituição, esse índice chega a 17,2% nos hospitais particulares. O serviço privado também se destaca por ser o único onde o planejamento das manutenções via sistema supera o uso do papel.
“Não realizar manutenção, além de ocasionar riscos na assistência, pode custar caro ao hospital, que pode perder dinheiro com a inutilização de um equipamento já comprado e em operação. Com os crescentes custos na área da saúde, isso é inadmissível”, conclui o diretor científico do Instituto Brasileiro para Segurança do Paciente, Lucas Zambon.
Sobre o controle de infecção hospitalar
De acordo com a pesquisa, quando um paciente é identificado pela Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH), na maioria dos casos ela classifica e aponta possíveis causas da infecção de forma manual, segundo 53,2% das respostas. Em seguida, com 25,2% das respostas, a CCIH recorre aos prontuários físicos para montar estatísticas e acompanhar tratamentos. 7,2% responderam que não há um controle diferenciado. Entre os participantes da rede pública, essa opção teve 18,8% das respostas. De acordo com Lucas Zambon, a falta de controle nesses casos pode ser devido a diversos fatores como falta de protocolos adequados conforme o tipo de infecção, ausência de recursos humanos, falta de equipamento de proteção na quantidade necessária, treinamento para uso correto desses equipamentos inexistente e falta de informação em tempo real para gerenciar estes casos.

De fato, as instituições precisam avançar. Se um programa governamental sobre a segurança do paciente foi formalizado apenas em 2013, o caminho a ser percorrido ainda é longo para introduzir uma cultura sobre esse tema em serviços de saúde de todo o país. “Precisamos de investimento. A verdade é que estamos em dívida com a população. é necessário melhorar os processos e garantir uma assistência segura. Para isso, não há saída que não seja investimento, o que começa com a qualificação dos profissionais para o assunto, a criação de Núcleos de Segurança do Paciente, e a implantação de medidas básicas para reduzir eventos adversos comuns, como os causados por medicamentos, falhas em cirurgias e as infecções hospitalares”, conclui Lucas Zambon.