Quando o avião da empresa Cubana de Aviación pousou no Aeroporto de Guararapes, em Recife, os 206 médicos do pequeno país caribenho de Fidel Castro e Che Guevara davam início ao Programa Mais Médicos, do Governo Federal. Naquele sábado, 24 de agosto de 2013, os profissionais, que estavam com seus jalecos brancos, foram recepcionados por militares da Marinha e do Exército no saguão do aeroporto.
A boa recepção, no entanto, não durou muito tempo. Dois dias depois de sua chegada, um grupo de médicos estrangeiros que estava em um curso sobre a saúde pública brasileira foi alvo de protestos de brasileiros. Do lado de fora da Escola de Saúde Pública do Ceará, em Fortaleza, um pequeno grupo de médicos pedia que eles passassem pelo Revalida, um exame que comprova a qualidade da formação de quem se formou em medicina fora do país.
Essa pequena manifestação, que se repetiu em outras ocasiões, mostrava a insatisfação da classe médica em relação ao Programa Mais Médicos e à importação de profissionais estrangeiros. Diversas manifestações da classe foram realizadas, reivindicando a realização do exame e melhores condições de trabalho e infraestrutura.
Apesar dos protestos da classe médica brasileira contra o programa, ele pode ser considerado como a principal ação do governo da presidente Dilma Rousseff (PT) para a saúde. O projeto é apoiado pela OPAS (Organização Pan-Americana da Saúde), órgão ligado à ONU (Organização das Nações Unidas). Hoje, o Brasil possui 1,8 médicos por mil habitantes, número abaixo do apresentado por outros países como Argentina (3,2), Uruguai (3,7), Portugal (3,9) e Espanha (4).
O Programa Mais Médicos foi criado para garantir mais investimento em recursos dos hospitais e unidades de saúde, além de levar mais médicos para regiões onde não existem profissionais. Os postos de trabalho são, sobretudo, para atuar na atenção básica de periferias de grandes cidades e municípios do interior. As vagas foram oferecidas primeiramente para médicos brasileiros, e as não preenchidas foram destinadas aos profissionais estrangeiros. Atualmente, o programa conta com 14 mil profissionais que atuam em cerca de 4 mil cidades. A maioria, 75%, está em regiões de grande vulnerabilidade social, como o semiárido nordestino, periferias de grandes centros, municípios com IDHM (índice de Desenvolvimento Humano Municipal) baixo ou muito baixo e regiões com população quilombola,
entre outros critérios.
Trazer médicos estrangeiros ao país, certamente, é uma opção polêmica e tem impactos eleitorais. Afinal, a medida encontra apoiadores e pessoas contrárias a ela. Em outubro, o Brasil terá de escolher se a presidente permanece em seu posto por mais quatro anos ou dá lugar a outro candidato. Assim que puderem, os candidatos começarão a divulgar suas propostas para a saúde e todos os brasileiros, trabalhadores ou não da área, terão de analisá-las e decidir se são realmente as melhores alternativas para aprimorar os serviços médicos oferecidos à sociedade.
Caso Dilma seja reeleita, deve manter seu projeto para a saúde, dando continuidade ao Programa Mais Médicos e a proposta de investir 25% dos royalties do petróleo na área. Os outros 75% serão destinados para a educação.
Seu principal oponente nas urnas, Aécio Neves (PSDB), divulgou seu programa de governo, mas as propostas para a saúde foram genéricas e não trouxe nenhuma política inovadora para o setor. No entanto, em declarações na imprensa, o político, já disse apoiar a ideia de destinar 10% do PIB (Produto Interno Bruto) para a saúde. De acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) do ano passado, são gastos apenas 3,6% do PIB no setor.
Outro candidato que está na disputa, Eduardo Campos (Coligação Unidos pelo Brasil), também não incluiu em seu programa ações concretas e detalhadas para o segmento. Apenas deu ênfase ao fortalecimento do SUS e ao aumento do acesso à Atenção Básica.
“Os dados sobre os investimentos na saúde estão disponíveis para todos. Mas é preciso olhar mais do que a verba investida, mas sim como ela é aplicada. Por isso, é importante estar atento às propostas para a área e escolher o candidato com base no mérito delas. Somente assim, daqui a quatro anos, o prognóstico sobre o estado do setor de saúde no país talvez seja um pouco mais animador”, opina a gerente de marketing da Wareline, Paula Usier.
Investimento cresce em período eleitoral
A saúde, como uma das áreas que mais tem a atenção dos brasileiros, é utilizada como arma política em períodos eleitorais. é isso o que indica um levantamento realizado pelo CFM (Conselho Federal de Medicina). A w avaliou as contas do Ministério da Saúde, no período de 2001 a 2014, e concluiu que há picos de investimento em saúde nos meses que antecedem as eleições. De modo geral, quando existe a disputa de pleitos municipais, estaduais ou federais a liberação de verbas acontece de forma mais ágil.
De acordo com os dados computados pelo CFM, os investimentos em anos de eleição sobem, em média, 48%. Por outro lado, quando não há disputa por cargos políticos, existe uma queda nos gastos com a área. Por exemplo, de janeiro a abril deste ano, as aplicações em saúde atingiram quase R$ 1,4 bilhão, muito em razão da postergação de pagamentos referentes ao ano anterior. No mesmo período de 2013, o valor gasto com a área foi de R$ 1 bilhão. No entanto, nos primeiros quatro meses de 2012, quando aconteceram as eleições municipais, foi investido R$ 1,3, bilhão, ou seja, 65% a mais que em 2011. Essa lógica foi percebida em diversos períodos, como mostra o gráfico abaixo.
De acordo com o CFM, esse ciclo de expansão e de redução do investimento é ruim, pois não permite a continuidade de projetos e obras até a próxima eleição.
Texto publicado originalmente na revista Wareline Conecta – Edição 7 – Julho/2014