Diante das manifestações populares dos últimos dias, o governo brasileiro apresentou algumas propostas emergenciais, tentando atender às reivindicações das massas. Entre elas está a abertura para que médicos estrangeiros venham trabalhar em nosso país, alegando como justificativa a falta destes profissionais nas cidades do interior e nas periferias das grandes cidades.
Entretanto, o governo encontrou forte reação dos representantes de entidades da classe médica, que consideram tal medida ineficaz, acirrando uma crescente discussão do problema por ambas as partes. Lamentavelmente, perde-se mais uma vez a oportunidade de debater o assunto em profundidade, ouvindo os diversos setores da sociedade para, então, buscar as soluções desejadas por todos e possíveis de serem executadas.
Da forma como a proposta foi apresentada pelo governo, a minha posição é inteiramente contrária, uma vez que os reais problemas da saúde no Brasil foram deixados de lado, pois vão muito além da importante participação dos médicos. Um exemplo disso é o gasto com saúde pública no Brasil, muito baixo em comparação com outros países. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o governo gasta apenas 42% do total das despesas com saúde, enquanto no Reino Unido, esse valor chega a 83%. Além disso, temos que levar em consideração os desvios de recursos, pois há uma elevada corrupção no setor.
A quantidade de médicos no país não é um problema. A relação de médicos para cada grupo de 1 mil habitantes está, em média, acima do que é preconizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que é de 1 médico para cada 1 mil habitantes. Em cidades como Brasília, por exemplo, esse número é de 4,09 médicos para cada 1 mil habitantes e a capital apresenta a mesma precariedade da assistência médica que outras regiões.
Outro fator negativo do sistema é que não existe um plano de carreira para o médico, deixando-o dependente de políticos e sem nenhuma garantia do emprego e de benefícios previdenciários. Além disso, falta de estrutura mínima para o trabalho do médico em praticamente todo o país. Enfim, é notório o erro cometido ao querer transferir para uma categoria profissional a culpa por uma questão tão ampla e tão complexa, pois a simples presença do médico não vai resolver nada.
Portanto, como cidadão brasileiro e na qualidade de médico que trabalha há mais de 35 anos no interior deste país, acompanhando de perto a angústia do povo em pequenas e longínquas localidades, em especial os mais pobres, torço ardentemente para que seja encontrada uma solução plausível, na esperança de que o brasileiro possa ter direito a um mínimo de dignidade na hora em que tanto necessita.
Rômulo Saraiva de Almeida é médico e diretor financeiro do Hospital João Paulo II, no Piauí
Texto publicado originalmente na revista Wareline Conecta – edição 4