A tecnologia virou commodity e deixa de ser fator de diferenciação dentro de uma instituição de saúde, por outro lado, ela permeia todos os processos dentro desta instituição, e exatamente por isso, precisa ser aderente a todos eles; eis o desafio de um CIO num hospital.
“A TI já não importa”, afirma o diretor acadêmico do Centro de Pós-Graduação da FIAP, Francisco Amaral, citando um famoso artigo publicado pela universidade norte-americana de Harvard. No artigo “IT Doesn’t Matter”, Nicholas Carr abre o resumo dizendo que à medida que crescem o poder e a presença da tecnologia da informação, sua importância estratégica diminui. Sim, a TI hoje é vista como commodity, e Amaral vê isso de forma positiva.
“Há um deslocamento do diferencial da tecnologia em si para as pessoas”, afirma o diretor. “O que existe de tecnologia hoje no mercado não é tão difícil de ser alcançado, mas a grande dificuldade é ajustar a tecnologia adequada para cada cenário. Um segundo desafio é a inovação dos processos e na forma de gestão de um hospital.”
Um gestor de TI – ou um CIO – de uma instituição de saúde tem que ser infalível no relacionamento e no conhecimento do negócio para poder lidar com estas variáveis. Os pontos críticos da operação de um hospital hoje deixaram de ser relativos somente à tecnologia e passaram para as pessoas. E o conhecimento do negócio é necessário, uma vez que o profissional de TI é quem vai alavancar os projetos de inovação dentro de um hospital.
Foi-se o tempo em que o profissional de TI ficava restrito ao departamento de Tecnologia. Segundo Amaral, este gestor hoje circula pela empresa e mapeia as áreas-chave do negócio a fim de estabelecer as alianças mais pertinentes. E este profissional que se comunica mais é o principal componente para impulsionar a maturidade da instituição de saúde em relação à tecnologia.
Ao passo que a TI perde o papel de diferencial, os profissionais têm um malabarismo a cumprir: manter a percepção de relevância da inovação e dos projetos da área. E este é o desafio do gestor quando a maturidade tecnológica da instituição ainda deixa a desejar.
“A instituição também precisa estar madura em relação à tecnologia para poder enxergar e perceber os benefícios que podem ser gerados”, alerta o professor. “Existem instituições que ainda pensam a informática como faturamento, controle de estoque e folha de pagamento.”
Equipe híbrida
Não basta um perfil técnico. O perfil de um gestor de tecnologia dentro do hospital tem que passar pelo conhecimento do negócio, segundo a superintendente de um hospital de São Paulo, Margareth Ortiz. E a solução foi a mais direta possível: criar uma equipe mista, composta tanto por profissionais de tecnologia quanto da saúde.
Há dois anos trabalhando com o modelo, a CIO diz-se muito satisfeita com os resultados. O contato entre profissionais de ambas as áreas permitiu que tecnologia mapeasse os requisitos complexos que compõem os processos num ambiente hospitalar e construísse uma visão mais abrangente.
“A gente buscou conhecimento da área de saúde, ou seja, de normas e procedimentos, dentro da Sociedade Brasileira de Informática para Saúde, para trazer para nossos profissionais de tecnologia”, explica Margareth. “Além disso, buscamos o conhecimento de tecnologia e gestão de projetos para trazer para os nossos enfermeiros que compõem o nosso grupo.”
Os profissionais de saúde, agora com um upgrade em tecnologia, atuam no levantamento do processo, onde a linguagem é mais específica do negócio de saúde, e depois atuam na implantação do sistema já desenvolvido.
“Os principais impactos deste modelo são percebidos no controle de incidências”, explica Margareth. “Nós atendemos cerca de sete mil chamados por mês no nosso help desk. Então nós percebemos que houve uma diminuição nos chamados do help desk referentes a estes módulos assistenciais onde nós implantamos com o grupo de enfermeiros.”
A executiva aponta um fator fundamental que compõe o perfil de um gestor de tecnologia nesta área: paixão pela saúde. “Imagine a complexidade de nós testarmos a mobilidade de uma aplicação em um PDA que fica em um carrinho de anestesia, dentro de uma sala cirúrgica, durante uma craniotomia (procedimento de abertura do crânio do paciente)”, desafia Margareth. “Se o profissional não é apaixonado, ele pede demissão no dia seguinte.”
8 gotinhas
Em outro hospital, onde Milton Alves comanda a área de TI, os exemplos são menos traumáticos. Alves defende a ideia de que o profissional desta área deve dominar o “hospitalês” (vocabulário específico do hospital, no neologismo de Alves). Isso porque muitas vezes questões aparentemente simples abrigam a complexidade de calhamaços de procedimentos e normas.
“às vezes o médico quer apenas das oito gotinhas de analgésico para uma criança, mas o que tem por trás dessas oito gotinhas não é de interesse dele”, explica Alves. “O processo começa na solicitação dessa medicação. Se é o médico quem solicita internamente, se a solicitação é em mililitros, se a farmácia só pode enviar o tubo inteiro para que a enfermagem retire o medicamento ou o que será feito com o restante do medicamento no tubo, não é problema do médico.”
Por trás das oito gotas de analgésico ainda mora uma outra questão que o gestor de TI precisa estar inteiramente à par: no caso de uma operação via convênio a cobrança precisa ser negociada, uma vez que o paciente usou apenas oito gotas, mas o tubo todo foi inutilizado por conta de normas de segurança.
Alves calcula por alto que 90% de seu tempo como gestor seja gasto com relacionamento, uma vez que dele depende desde os ajustes de procedimentos como o das oito gotinhas de analgésico, até a interface com a qual o médico vai trabalhar e o quanto ela é amigável e prática.
“Este é o motivo pelo qual é imprescindível que um profissional desta área conheça profundamente o negócio de saúde”, afirma Alves. “Por outro lado, pode ser também que um CIO que venha de um banco possa resolver algum problema em um hospital exatamente por ter um olhar de fora.”
O mercado de saúde ainda se consolida na maturidade do uso da tecnologia. E mesmo que haja um perfil muito homogêneo do que seja um profissional de TI à frente de um hospital, diversas soluções são apresentadas e elas dependem principalmente de investimento.
Esta talvez seja a principal questão que impeça soluções completas como a da implantação de equipes mistas, na análise do gerente de TI Hospitalar Carlos Eiji Torigoe. Para o executivo, a questão salarial é determinante quando se trata de deslocar profissionais de suas áreas de atuação.
“é uma questão e gosto pessoal, porque a questão salarial é ainda um desafio no caso das equipes mistas”, afirma Torigoe. “Esta é uma tendência e seria uma das soluções para a falta de profissionais com esta qualificação no mercado.”
Fonte: Saúde Web