O projeto ‘
Mais Médicos’, do Ministério da Saúde, tem despertado um intenso, acalorado e nem sempre ético debate sobre a encruzilhada em que se encontra o Sistema único de Saúde (SUS). Consagrado na Constituição de 1988, o SUS foi um dos maiores avanços sociais que tivemos no século XX. Seus princípios de Universalidade, Integralidade e Gratuidade, trazem como conceito fundamental o direito à cidadania com inclusão social. As elites conservadoras, insensíveis às causas populares, trataram de protelar o quanto puderam para depois inviabilizarem o seu financiamento. Hoje, o
subfinanciamento está inviabilizando o nosso SUS.
São gigantescos os desafios que se colocam para a sociedade brasileira nessa segunda década do milênio. Apesar de todo avanço social dos últimos dez anos, ainda temos um grande Apartheid, que se manifesta de maneira mais dramática na desatenção a saúde de expressiva parcela da população brasileira. Quem conhece e vivencia o duro sofrimento
de homens, mulheres e crianças, que são diariamente humilhadas na busca de um direito básico, sabe que não estamos cuidando bem do nosso povo. Ignorar essas pessoas é negar-lhes a cidadania, é julgálos e tratá-los como cidadãos inferiores, é medievalizar as relações humanas. Essa situação é absolutamente insustentável.
Quero suscitar uma reflexão sobre o programa “Mais Médicos”, anunciado pelo Ministério da Saúde. Entendo que, nós médicos, deveríamos fazer uma ampla campanha para que essas milhares de vagas de trabalho que se abrem sejam preenchidas por médicos regularmente registrados nos nossos Conselhos Regionais de Medicina. Com um contrato de três anos, período pelo qual o Governo se comprometeria a criar a Carreira de Estado para o SUS, tendo como ponto de partida as vagas criadas nesse projeto. Em paralelo, o governo também iria se comprometer a reformular o ensino médico e os cursos de residência.
Com a legitimidade das entidades médicas, provavelmente não precisaremos lançar mão de médicos de outros países para
atender nossa população. Porém, é preciso ter em mente que essas vagas precisam e devem ser preenchidas e com critérios técnicos consagrados. O não preenchimento dessas vagas nos obrigará a rever o discurso de que não faltam médicos e que a carência é resultante única e exclusivamente da ausência de uma carreira de estado. Não me parece razoável, que por falta de carreira, um contingente de mais de 10 mil médicos prefira ficar desempregado a trabalhar nos locais de difícil provisão. Parece-me bastante contraditório dizer que temos médicos em número suficiente às necessidades do sistema e mais de 10 mil vagas de trabalho ficarem abertas.
Atualmente, as escolas médicas não atendem as necessidades da nação. Parece paradoxal, porém é a mais pura realidade: faltam e sobram médicos no Brasil. Sobram especialistas e faltam generalistas.
Separar as instituições de graduação dos cursos de especialização é um desafio que precisa ser enfrentado com ousadia e coragem. Os acadêmicos precisam ter o ensino concentrado na atenção básica, na urgência e emergência e em instituições hospitalares de nível secundário. O acadêmico de medicina deve frequentar a Rede Básica de Saúde, desde a primeira hora do primeiro ano até a última hora do sexto ano.
Casemiro dos Reis Júnior é presidente do Sindicato dos Médicos de Campinas e Região e presidente da Federação dos Médicos do Estado de São Paulo
Texto publicado originalmente na revista Wareline Conecta – edição 5