Em 2006, Michael Porter já apontava um problema no modelo de remuneração das assistências médicas, em sua obra “Repensando a saúde”. Para o estudioso, os hospitais deveriam medir e divulgar os resultados médicos, a fim de garantir uma negociação de custo baseado no valor.
Mais tarde, em 2008, foi a vez do pesquisador Clayton Christensen avaliar o setor. Em sua obra “Inovação na Gestão da Saúde”, o acadêmico concorda com Porter e diz que a receita para reduzir os custos e aumentar a qualidade do serviço no setor está em abolir o pagamento por serviço prestado. Para Christensen, a ausência de um modelo de gestão inovador na indústria da saúde – em muitos casos por conta do ambiente regulatório engessado – é a razão pela a qual a saúde é cada vez mais insustentável do ponto de vista financeiro. Isto mostra que o dilema da relação fonte pagadora e instituições de saúde é um problema mundial há anos.
No Brasil, as operadoras de saúde remuneram os hospitais com base em pacotes ou diárias globais. Este modelo, de acordo com Henrique Salvador, presidente do conselho deliberativo da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), faz com que a saúde suplementar divida com os hospitais o risco assumido com os beneficiários. “O grande desafio é ter entre os elos da cadeia a medida exata do compartilhamento do risco”, sinaliza o executivo.
E a “medida exata” é justamente o que determinará a margem de cada player. Neste sentido, o cenário atual é de vale-tudo: hospitais incorporando assistência médica no negócio ou operadoras verticalizando operação com rede própria. Existem ainda os casos em que há uma tentativa dos hospitais de negociar as tabelas.
é por isso que a Agência Nacional de Saúde (ANS), que regulamenta a saúde suplementar, instaurou um grupo técnico, formado por representantes de entidades hospitalares e de operadoras de planos de saúde, que tem como objetivo definir um novo modelo para a sistemática de remuneração dos hospitais que atuam com a saúde suplementar.
De acordo com a agência, atualmente, os preços dos serviços hospitalares estão, em grande parte, dissociados dos custos de sua prestação. Isso porque, ao longo das duas últimas décadas vem ocorrendo uma contenção dos valores das diárias e de diversas taxas de serviços hospitalares. Ao mesmo tempo, houve aumento significativo das despesas com insumos (materiais, medicamentos, órteses, próteses e materiais especiais – OPME), onde está concentrada a principal parcela das margens dos hospitais. Diante dessa situação, foi gerado um estímulo para o uso de insumos com relação custo-benefício mais perversa para o sistema de saúde, que acarretou em aumento dos custos assistenciais e fez com que parte dos recursos disponíveis, que seria destinada aos honorários médicos, fosse direcionada para o custeio dos insumos.
Esse grupo de trabalho da ANS visa desenvolver novas sistemáticas que remunerem os hospitais adequadamente pelos serviços prestados, tornando esses a sua fonte de receita primária. Em consequência, os beneficiários terão maior poder de escolha com base em padrões e na qualidade dos serviços prestados.
Entre as ideias que surgem nestas discussões, Salvador defende a existência de um diálogo diferente entre os hospitais privados e as operadoras para estabelecer a compra e a venda. “Levando-se em consideração escala, estratégias de mercado e acordos de cooperação para melhorar a competitividade de ambos em determinado mercado”, pondera o presidente da ANAHP.
Mas dentro da cadeia não existe apenas hospital e operadora, nas relações que impactam o negócio. Há também o papel do médico, o consumidor de produtos hospitalares. Por isso, Salvador avalia que é preciso alinhar os objetivos do corpo clínico com a estratégia do hospital. “O caminho é investir em gestão do corpo clínico, para assegurar que a conduta caminhe conforme os protocolos médicos, bem como ter os médicos imbuídos no espírito da melhor relação custo-benefício”, conta.
Enquanto um novo formato de remuneração da saúde suplementar está sendo avaliado pelo governo, hospitais e os sistemas de saúde buscam alternativas diariamente.
Estreitamento da relação com as operadoras
Na Casa de Saúde de São José, do Rio de Janeiro, os canais de relacionamento com as assistências médicas passaram a ser assunto estratégico. Sendo assim, mais do que receita os planos são agora parceiros. De acordo com o diretor executivo da instituição, André Gall, houve um esforço para criar diferenciais e benefícios mútuos, que vão desde a regularização dos acordos verbais em formais e atualização dos contatos mais antigos. “Somos muito mais receptivos a atender aos pedidos das operadoras para qualquer necessidade especial que a mesma venha a ter, desde que esta ação gere benefícios para ambas as partes”, posiciona-se.
é por isso que a instituição está implantando um projeto de gestão do relacionamento com o cliente junto às operadoras de saúde parceiras. Isto diminui o impacto de negativa de exames, insumos, procedimentos e consultas, por exemplo. Afinal, existem protocolos e pacotes negociados previamente junto às operadoras de saúde, que são acordados com os médicos assistentes. “Trabalhamos de forma extremamente transparente com o médico assistente e familiar, após esgotarmos todas as possibilidades de resolução do problema junto às operadoras de saúde”, conta Gall.
Mais do que isso, é feito um trabalho preventivo às restrições das operadoras no momento do pré-agendamento e nas reuniões com o corpo clínico. O estreitamento na relação fez com que o hospital aumentasse em 10% o número de operadoras, saltando de 58, em 2009, para 64, em 2010. “Reduzimos o percentual de glosa e criamos espaços dentro de nossa estrutura para os grandes parceiros instalarem unidades de atendimento aos seus segurados e médicos credenciados, criando facilidades para ambos”, conta o diretor, justificando a crescente procura por operadoras.
Com mais de 2 mil médicos e mil colaboradores, a Casa de Saúde de São José realiza 300 partos e 2.100 cirurgias por mês. Para o executivo, o desafio sobre o modelo de remuneração entre as operadoras e hospitais deve resultar em um novo modelo, em que a saúde suplementar tem saúde financeira para manter sua solvência sem afetar a qualidade da assistência prestada ao paciente. Para isso, é preciso “Criar indicadores assistenciais que permitam não só as operadoras de saúde, mas aos clientes (médicos e pacientes) escolher a instituição onde fará seu tratamento pela qualidade do serviço prestado e não pela aparência que o serviço demonstra”, acredita Gall.
Para estabelecer uma relação de confiança junto à saúde suplementar, o diretor executivo avalia que são necessários desenvolver quatro caminhos:
Transparência na relação;
Criação de um relatório com os indicadores de desempenho assistencial e financeiro para as operadoras de saúde, para que façam a diferenciação entre seus prestadores e com isso possam tratar os desiguais de maneira desigual;
Compartilhamento do risco;
Aproximação das empresas contratantes, oferecendo um serviço de prevenção aos funcionários das mesmas.
Negociação de contrato
Gerenciando uma carteira de 21 operadoras credenciadas, o Hospital Santa Catarina de Blumenau, localizado na região sul do País, trabalha com contratos estabelecidos de acordo com a resolução normativa 42, da ANS. No entanto, mesmo com todas as regras previstas e com uma relação de transparência, existem problemas, como atraso nos pagamentos, glosas indevidas e dificuldades de autorização de procedimentos e exames. Na opinião do diretor de negócios da instituição, Maciel Costa,a padronização de insumos e o uso de protocolos técnicos são os principais mecanismos para minimizar o conflito diário entre hospitais e operadoras. “O profissional de saúde estabelece o uso de determinado insumo ou procedimento sob determinada perspectiva técnica. A visão da operadora pode ser oposta, o que instala um conflito muito comum no dia a dia das organizações hospitalares”, exemplifica o executivo.
Ao usar o conceito de diária global como forma de remuneração, o hospital é pago pelo serviço prestado. Por isso, torna-se crucial estabelecer protocolos de uso de medicamentos de alto custo, por exemplo. “Na prática, as ações visam otimizar os recursos financeiros que permeiam a relação prestador/operadora”, pontua o diretor.
Do ponto de vista assistencial, o hospital adotou, por exemplo, desde 2007, a prática das metas internacionais de segurança, como identificação de risco dos pacientes, melhora da segurança de medicamentos de alta vigilância, entre outros. O objetivo deste tipo de ação não se restringe apenas à qualidade assistencial, como também à melhor performance dos custos hospitalares. “Além de garantir a qualidade e a segurança na assistência, conseguimos contribuir significativamente para a otimização dos custos dos serviços”, conta Costa.
Entretanto, o gerenciamento dos custos e as melhorias no processo assistencial não garantem necessariamente uma negociação favorável de contrato junto às operadoras de saúde, segundo Costa. Isto porque ainda existem mercados em que há uma concentração e domínio de poucas assistências. “Quando se otimiza o processo, consegue-se otimizar custos por meio da resolutividade. No entanto, esta é uma prática que ainda não é muito reconhecida pelas operadoras no momento da negociação em algumas regiões, que não conseguem um diferencial de remuneração por apresentar estas melhores práticas”, pontua.
Diálogo e padronização
A Bradesco Saúde, que também é controladora da Mediservice, entende que o principal desafio na relação entre hospitais e operadoras está em acelerar a mudança da sistemática de remuneração do setor. Para o presidente da Bradesco Saúde e Mediservice, Marcio Coriolano, já se faz urgente a migração do atual “fee for service” para um padrão de pagamento por pacotes, entre outros modelos que favoreçam a excelência dos serviços com maior previsibilidade de custos assistenciais. “Essa migração torna-se cada vez mais necessária em função das taxas da inflação médica que são sistematicamente superiores às dos índices gerais de preços, o que ameaça o orçamento das empresas e das famílias que são destinados à assistência médico-hospitalar privada”, defende.
Mesmo diante deste cenário, os custos médico-hospitalares da carteira de planos de saúde da Mediservice ficaram estáveis no ano passado, enquanto o aumento de custos no mercado tem sido de cerca de 8 a 10% anuais. O executivo aponta que o controle financeiro foi baseado em uma relação de transparência, diálogo e negociação junto às instituições hospitalares.
Apesar de a Mediservice ter 271 mil vidas, a Bradesco Saúde já soma 2,5 milhões de segurados. De acordo com Coriolano, a escala que o grupo Bradesco proporciona favorece nas negociações de tabelas, que por fazerem parte do mesmo grupo não podem ter custos substancialmente diferentes. “O trabalho desenvolvido, e aceito pelos estabelecimentos hospitalares, foi o de aproximar ao máximo as tabelas da Bradesco Saúde e da Mediservice e adotar pacotes já experimentados pelas duas. Foi fruto de diálogo com os hospitais, clínicas e laboratórios”, explica.
Além do trabalho de equiparação de custos, o presidente acredita que a adoção dos projetos de padronização de informações e nomenclaturas da ANS, a TISS e a TUSS, proporcionou ganho em eficiência para a equipe de gestão médica com a padronização de apresentação e análise de contas médicas, o que contribuiu para facilitar o relacionamento com a rede credenciada. “A TISS e a TUSS vieram para padronizar procedimentos administrativos e operacionais e, dessa forma, reduzir custos e burocracias”, conclui.
Fonte: Fornecedores Hospitalares | Patricia Santana